sábado, 2 de outubro de 2021

inventário

 



                                             fonética das cores

 

3 dentadas no pão e a faca suja de manteiga entreguei-me ao desejo de olhar o corpo do poema nu ainda virgem deitado sobre a grama no quintal do casario no cafezal rolava um blues vestido de algodão branca flor entre as sílabas tônicas e a fonética das cores entre o vão das coxas brancas de alfazema sopravam ventos de alecrim

 

poema atávico

 

e se a gente se amasse uma vez só
a tarde ainda arde primavera tanta
nesse outubro quanto
de manhãs tão cinzas

 

nesse momento em Bento Gonçalves
Mauri Menegotto termina
de lapidar mais uma pedra 
tem seus olhos no brilho da escultura

 

confesso tenho andado meio triste
na geografia da distância
esse poema atávico tem

a cor da tua pele
a carne sob os lençóis

 onde meus dedos
ainda não nasceram

 

algum deus

anda me pregando peças
num lance de dados mallarmaicos

comovido
ainda te procuro em palavras aramaicas 
e a pele dos meus olhos anda perdida
em teu vestido

 

agora

 

agora
que tenho entre as pernas
os seus
dados coloridos
acho divertido
o amor o sexo
quando brincamos
de cobra cega
durante o coito
matinal

lindo é acordar e gozar
todas manhãs
com teu impulso
dentro
e o mar ser logo ali
na lua
quando estamos sob os lençóis
nessa cama de madeira
que meu avô
construiu sem pensar
para que
ela serviria

 

 

gargaú

 

aqui signos
não casam com significados
cada um segue sua trilha
cada um segue seu atalho

 

eita povo pacato pra caralho
assombro sobe em minha telha

e
com a língua/navalha carNAvalho

 

 

poética

 

amoras

ame-as : ou devoras

clarice mora no silêncio
vive em entre/linhas
fala monossílabas
quando toca as entre/minhas

come as juras secretas
como fossem chocolates
morde o líquido das delícias 
ao entrar em sintonia
em cada letra que namora

clarice

a mulher que come livros
isadora a mulher que me devora

 

 

zeus me disse

 

o poema fala do teu corpo
como se o tocasse 
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca 
como um canto bíblico
com  louvor profano 

no poema o corpo não tem panos
que lhe escondam a pele
é um peixe que flutua em águas calmas
um pássaro que atravessa nuvens cinzas
um barco em alto mar de tempestades

 

a mulher do imaginário em fantasia
é o poeta que se transmuta em poesia


ind/gesta

uma caneta

pelo amor de deus
uma máquina de escrever
uma câmera por favor
quero um computador
nem que seja pós moderno

vamos fazer um filme
vamos criar um filho
deixa eu amar a lídia
que a mediocridade
desta idade mídia
não coca cola mais
nem aqui nem no inferno

 

inventário

 

come vento menina
come vento
não há mais metafísica no mundo 
do que comer vento

tem de todos os sabores
amargo meio/amargo
chocolate de  café
sabe como é

em meio a tanta crise 
a gente inventa o vento que se quer

 

tempo poético

 

o tempo

é o senhor
dos meus ponteiros de músculos
relógio oculto no in/cons/ciente

o tempo
nos olhos daquela viagem
a paisagem 
caminho de pedras 
o cenário
vale dos vinhedos

o tempo
guardo em segredo
como uma jura secreta
na íris dos olhos dela
na face oculta da noite
na retidão clara do dia
como um concha na areia

o tempo

mar de espumas
sargaço algas noturnas 
a carne do corpo também 
o vinho do tempo na boca
e a língua dizendo amém

 

 

todo Dia é Dia D

 

furai
a pele das partículas dos poemas
viemos das gerações neoabstratas
assistindo a belos filmes de godart
inertes em películas de truffaut
bebendo apocalipses de fellini
em tropicâncer genocidas de terror

 

sangrai a tela realista dos cinemas
na pele experimental do caos urbano

tragai
dali pele entre/ossos
glauber rugindo entridentes
na língua do veneno o gozo das serpentes
nos frascos insensíveis de isopor

 

caímos no poder do vil orgânico
entramos no curral dos artefatos
na porta de entrada os artifícios
na jaula sem saída os mesmos pratos

 

 

desconfiguração do corpo

 

os estilhaços do corpo 
estão espalhados
nas cidades

:

pernas aqui
braços ali 
cabeças acolá

na total desconfiguração

:

- cabeça/tronco/membros

 

as cidades estão entupidas
de fragmentos de populações
destroçadas em desespero

 

a crueldade é tanta que dificilmente em qualquer cidade se encontra um ser humano por  inteiro





Artur  Gomes

FULINAIMAGENS

www.fulinaimagens.blogspot.com

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